segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

"Eu gosto das novelas mexicanas", diz a diretora Amora Mautner

Amora Mautner (foto) é a mulher mais poderosa na TV Globo na atualidade. Intensa, visceral, sem papas na língua. Assim atores que trabalham com Amora gostam de defini-la. Em uma entrevista rara e exclusiva, Amora se mostra política mas não foge de nenhuma pergunta sobre "A Regra do Jogo", a novela que dirige com mão de ferro e que, agora, entrou numa audiência crescente. Com vocês, Amora Mautner.

Você tem a fama de ser exigente, estudiosa e rigorosa com seus atores. Falou-se até em gritos que teriam sido dados por você contra eles. Até que ponto isso é verdade?
Léo, eu sou rigorosa, sou exigente, mas mais do que tudo, eu amo os meus atores e equipe. Gritos nunca aconteceram. Até porque a minha família é austríaca, cuja educação sempre foi muito rigorosa. Gritos nunca foram admitidos na minha casa e eu fui catequizada assim. Levei isso para o lado profissional. O que acontece às vezes é uma dialética rica em que eu digo a maneira como eu prefiro que seja feito. E a maioria dos atores troca comigo e fica feliz com isso. E eu nunca quis fazer nada que não fosse dirigir. Sou uma diretora nata. E é óbvio que o que penso pode ser diferente da maneira como o ator pensa. Eu gosto de dialogar e tenho consistência no que eu falo porque estudo muito o texto. Quando eu chego para falar com um ator, eu não só digo o que eu acho como também escuto o que ele diz. Acontece de discordarmos. E se a ideia do outro for melhor do que a minha, ganha a ideia do outro. Porque para mim importa o que vai ao ar. E você pode observar na minha vida pessoal a quantidade de atores que são meus amigos. Se isso não fosse verdadeiro, eu não teria feito tantos amigos assim. Eu sou uma pessoa muito afetuosa. A minha relação com os atores com quem trabalho ou já trabalhei é muito intensa e de muito afeto. Eu realmente acredito no processo coletivo de criação, onde todos estão envolvidos.

Os comentários nos bastidores é que ao mesmo tempo que você é brava, também é amorosa. Qual é a verdade?
Eu sou as duas coisas mesmo. Mas eu tenho estado cada vez menos brava, risos. Tudo coexiste, não é Léo? Às vezes a gente está mais veemente, às vezes a gente está mais tranquila. Mas o que impera realmente é a relação verdadeira de troca e democracia total. É nisso que eu acredito.

O que um ator tem que ser (ou ter) para você admirá-lo.
Vamos entrar em um assunto interessante de falar que é sobre o gosto. Cada diretor tem um gosto. Cada ator tem um gosto, cada ser humano tem um gosto. O meu gosto sobre ator, se eu puder descrever de uma forma concreta, é em relação aos atores instintivos. Eu gosto mais dos atores instintivos do que aqueles que são técnicos. Melhor ainda quando eles são as duas coisas, técnicos e instintivos. Eu aprendi demais com os atores, eles são os meus grandes mestres. É o ator que se permite errar. Ele se permite, se entrega à energia do momento e a uma prática de troca coletiva. Esses são os atores que eu realmente admiro.

Você disse a amigos, antes de “A Regra do Jogo” estrear, que esta seria sua última novela e que você passaria a se dedicar a séries e minisséries. Você ainda pensa assim?
A novela está no meu DNA. Foi dentro do set de novela que aprendi, que me formei como diretora. É o que eu amo fazer. Dirigir novela me desafia e me alimenta profissionalmente. Não dá para pensar em realização profissional sem falar nas novelas. E ainda tem a relação com os autores. É um privilégio dirigir textos dos nossos autores, eles são geniais. Eles conseguem fazer algo que só a Sherazade conseguiu fazer em Mil e Uma Noites, que é entreter o público em uma única história durante quase um ano. Foi essa paixão que me levou a engatar uma novela em outra, em outra e em outra… Agora, com a idade chegando, risos, tenho sentido falta de estudar. É um desejo que percebo que tem me acompanhado. Eu gostaria de cursar História da Arte, por exemplo. Mas é inviável fazer uma faculdade dirigindo uma novela. O nosso trabalho começa bem antes das gravações. Em A Regra do Jogo, e eu e o João começamos a trabalhar dois anos antes do início das gravações. Conciliar novela com qualquer outro projeto é quase impossível. Respondendo a sua pergunta, a verdade é que eu queria ter mais tempo para estudar, mas sinto que a minha paixão por dirigir novelas não me deixará ficar muito tempo longe do set.

Falou-se, antes da estreia, que "A Regra do Jogo", revolucionaria a teledramaturgia brasileira, com câmeras escondidas e técnicas (caixa cênica) nunca antes vistas na TV. Porque não deu certo? Se você avalia que deu certo, porque o telespectador não percebeu essa inovação?
A caixa cênica deu muito certo! O publico talvez não perceba num primeiro momento, mas o resultado é completamente diferente. Se você perguntar para qualquer ator, para o Nero ou a Giovanna Antonelli, por exemplo, o quão diferente é, eles não vão hesitar em responder. A caixa cênica é muito mais um resultado de misancene do que de uma imagem. É como se fosse um teatro de arena, diferente de um teatro italiano. Em um palco italiano, você tem apenas um ponto de vista. No teatro de arena você tem ângulo de 360º. E eu tenho 360 graus no meu set. Eu uso câmeras robôs e etc. Só que mais importante do que a tecnologia envolvida nisso é o usufruto de marcas com o elenco. É poder fazer uma sequência, como vocês podem ver no ar com Romero e Atena, de 20 cenas em todo o complexo do cenário: sala, quarto e banheiro. Não fico presa na sala, fazendo as 20 cenas sem sair do lugar. Então eu consigo marcar uma fala sem obrigar que os atores fiquem parados, olhando um para o outro o tempo todo. Eu consigo fazer Atena andando e falando até chegar ao banheiro, depois fechar em closes e voltar para a sala. Tudo isso com o Romero a acompanhando. Isso seria impossível, em termos de produtividade, realizar em um cenário clássico. Então a conquista da caixa cênica para mim e para os atores envolvidos é sem precedentes. Outra vantagem da caixa cênica que eu não pretendo abrir mão nunca mais é a quantidade de cortes durante uma gravação. Eu não faço uma cena várias vezes. Eu faço geralmente uma só. Por exemplo, todos os filmes do Woody Allen são feitos com caixa cênica. E as imagens desses filmes não são diferentes dos filmes indianos, que geralmente usam boca de cena. Só que é muito diferente para a interpretação dos atores, para a misancene. O Breaking Bad é todo com caixa cênica. É muito diferente. O maior usufruto é nosso, como eu disse. Eu passei a ter um cenário inteiro para ser utilizado, não somente uma parte dele.

Já estamos quase no capítulo 100, como você avalia “A Regra do Jogo”: o que deu certo e o que não deu certo na novela?
"A Regra do Jogo" é uma novela que acompanha as transformações de um personagem dúbio. O texto do João Emanuel Carneiro é único e estou muito feliz em poder reafirmar a minha parceria com ele nessa novela. Além disso, eu fiz grandes parceiros novos, como Giovanna Antonelli, minha deusa, Susana Vieira, uma rainha, e Alexandre Nero, a quem eu idolatro, risos. Refiz parcerias de sucesso como com Marcos Caruso e Cauã Reymond, um dos três maiores atores de sua geração. Na minha experiência de vida, o saldo está sendo extremamente positivo.

O sucesso de "Os Dez Mandamentos" foi um empecilho para a audiência decolar?
Toda competição é boa, porque toda competição nos faz melhorar de alguma forma. No nosso trabalho não há fórmula. Nós apostamos naquilo que a gente acredita e acha relevante. Quando o trabalho é relevante e bem realizado, o resultado acaba chegando. É o que esta acontecendo com "A Regra do Jogo", nossa audiência vem crescendo a cada dia que passa. Isso é importante, mas não é determinante para o nosso trabalho. Não dirijo uma novela olhando para o retrovisor. Estou sempre olhando pra frente! Eu sou muito feliz em estar fazendo este trabalho pela sua relevância. Falar de um Brasil tão impune e criminoso como esta fase que o nosso país está vivendo é de muita importância para o momento atual.

Como avalia "Os Dez Mandamentos"? Você viu algum capítulo? Faça sua análise em termos técnicos e dramatúrgicos?
Adoraria ter tempo para assistir novelas e outras programações que existem por aí. Mas como eu vejo o capítulo de "A Regra do Jogo" três vezes antes de ir para o ar e gravo muito, me sobra muito pouco tempo. Com esse tempo que me sobra, eu estudo o texto para estar pronta para gravar, eu fico com a minha filha que tem oito aninhos e eu ainda tenho um namorado por quem sou apaixonada. Só posso ressaltar o meu respeito pelo (Alexandre) Avancini, diretor muito querido e com quem já trabalhei aqui na Globo.

Antes da saída da Cássia Kiss, houve um problema entre vocês. Você pediu para ela regravar algumas cenas e ela se recusou. A própria Cássia admitiu que você pediu para regravar. Você avaliou isso como insubordinação?
De jeito nenhum. Eu sempre achei a Cássia uma grande atriz. Nós já tínhamos trabalhado juntas em uma minissérie. Quando eu e o João Emanuel pensamos nela para fazer a Djanira, exatamente naquela época, conheci um outro lado da Cássia durante uma entrevista que a Cássia concedeu ao programa da Ana Maria Braga. Mais do que uma atriz, estava vendo uma mulher única, extremamente sensível. Eu fiquei gostando dela mais ainda e aumentou também a vontade de trabalhar com Cássia. Sobre essa questão que você abordou, tivemos uma divergência sobre a personagem em relação à sequência dramática que estávamos gravando. Eu, como diretora. Ela, como atriz. Esse assunto para mim está encerrado. Continuo admirando muito a grande atriz que a Cássia Kis é.

Cássia disse ainda que a direção da novela queria impor um “tom mexicano” ao texto de João Emanuel. O que seria um “tom mexicano”? Como você avalia tais declarações.
Olha, aí eu acho que você teria que fazer esta pergunta para ela, risos. Não considero isso um adjetivo pejorativo. Eu gosto das novelas mexicanas, há grandes diretores de cinema no México assim como na Argentina. Eu não vejo nisso nada de ruim. Se ser mexicano é ser intenso, ser emocionante e fazer uma cena com tintas grossas, para mim isso é um elogio. Fazer o público se emocionar com uma novela, para mim, é uma das coisas que eu quero conquistar. Quero conquistar o coração do público.

Com que ator você não aceita trabalhar. Por que?
Nunca pensei sobre isso antes desta entrevista. Mas fazendo esse exercício agora, nenhum. Sou e estou aberta para todas as relações e acredito que todos nós nos transformamos o tempo todo. Portanto, uma relação de diretor com ator, com desejo de ambas as partes, sempre será produtivo e trará para os dois lados repertório para sermos artistas melhores. Como eu disse, a troca é a minha melhor meta humana. Acredito que com essa troca, o resultado é sempre o melhor possível para o público.

Falou-se ainda em atritos com Giovanna Antonelli. Isso procede?
Nunca pensei, há-há-há! Giovanna Antonelli é uma deusa. Sou completamente apaixonada por ela e ela por mim, eu acredito. Estamos falando de um mercado. Fofoca é um mercado desde que o mundo é mundo. Mas tenho que dizer que esse episódio me fez pensar um pouco mais sobre essas coisas. Até isso acontecer, sempre acreditei que toda nota publicada tinha algum fundamento, algum vínculo com a verdade. Eu vi com esta experiência que, às vezes, realmente não há nenhum fundamento. Escolheram logo a Giovanna e o Cauã, dois dos atores mais amados da minha vida . Então eu só posso rir diante disso.

Foi um erro colocar “Babilônia” (que tinha uma favela) antecedendo "A Regra do jogo"?
Essa escolha não cabe a mim, mas não vejo a conexão entre uma novela e a outra. São obras completamente distintas.

Qual a lição que você tirou de "A Regra do Jogo"? Seria falar menos, criar menos expectativa para surpreender mais o telespectador?
Não dá para fazer um balanço porque ainda tem muita novela pela frente. Surpreender o público é sempre um desafio. Estou muito feliz com o que conquistamos até aqui. A cada semana que eu recebo o bloco de capítulos fico muito feliz e muito grata em estar fazendo um texto de João Emanuel Carneiro, que eu considero um gênio. Encerro com uma frase de Jhon F. Kennedy: “Não conheço nenhuma fórmula infalível para obter o sucesso, mas conheço uma fórmula infalível de fracassar: tentar agradar a todos”.

Como vc vê o futuro da dramaturgia na TV, com séries do NetFlix, com a internet crescendo cada vez mais…. Para onde vão as nossas novelas?
As nossas novelas vão continuar existindo porque vivemos no Brasil, um país continental e que tem sua cultura a presença forte da novela. Nossa realidade é diferente de outros países no mundo. O Globo Play está aí para mostrar isso. Ele é uma plataforma que complementa a nossa programação na TV linear, que oferece nosso conteúdo da forma que for mais conveniente para o público e apresenta múltiplas possibilidades. Hoje, além da TV, o público pode assistir a novela em tablets, smartphones, TV conectada, desktops. Mais do que uma empresa de TV, somos uma produtora de conteúdo. E queremos oferecer o temos de melhor para o público quando e onde ele quiser.





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