O “Globo de Ouro” estreou em 1972 e foi exibido na Rede Globo, com
regularidade variada, até 1990. Recentemente, o Viva passou a reprisar
edições dos anos 1980. O canal acertou o coração de muitos. O Twitter
foi a prova instantânea disso. Uma turma praticamente se encontrava ali
todo dia para comentar. Entre os assuntos que mais empolgavam, as
ombreiras e os penteados (impressionante mesmo como alguns deles parecem
vindos da corte de Luís XIV). E também, claro, os hits, a maioria do
paradão das rádios. Muitos, ainda regravados hoje, são familiares para
as novas gerações.
Mas quase tudo mudou desde então. Não me refiro apenas à grafia de
certos nomes: eram Biafra e Rosana, não Byafra e Rosanah. Mudou
principalmente a indústria fonográfica, um dos motores do programa, que
sofreu um baque com o advento da internet. Com tudo isso, o que o Viva
vem conseguindo com as dez novas edições especiais é uma mostra de vigor
da música, de savoir faire de TV, de competência absoluta na conjugação
simultânea de tempos verbais passados e do presente.
Vamos por partes. Primeiro, claro, é imprescindível mencionar a
nostalgia. Ela é uma estrada agradável, lisa e sem quebra-molas que
carrega o público veterano diretamente para as suas melhores lembranças.
O novo “Globo de Ouro” não desperdiçou esse capital. Artistas que
marcaram o original estão aí de novo. Xuxa, Byafra, Fafá de Belém e até
Angélica, ainda mais bonita hoje, cantando “Vou de Táxi” empolgaram a
plateia. Katia, a cantora cega, uma das figuras que fizeram o “Globo de Ouro” ser o “Globo de Ouro”, também. E ficou evidente o esforço para
tentar compensar uma das maiores baixas, a de Rosana/Rosanah. Ícone dos
80, ela foi a trilha sonora de um dos mais falados casais da época, Vera
"Jocasta" Fischer e Felipe "Édipo" Camargo, estrelas de novela e
frequentadores dos noticiários. Ainda com uma voz poderosa, ela explicou
(sem explicar direito) os motivos de não participar. A meia
justificativa, no entanto, funcionou como um gancho eficaz para
relembrarem com imagens de arquivo “a música nas sombras, o ritmo no
ar.... Como uma deeeusa” etc. Valeu. Outra grata participação com um
hino de novela foi a de Fagner com seu “Aaaaahhh coração alado,
desfolharei meus olhos neste escuro véu” (o que afinal queria dizer
isso?).
Fundamental pontuar, o “Globo de Ouro” não caiu na tentação inútil de
buscar repetir o passado. O espírito do tempo, como está implícito na
própria expressão, é inexoravelmente restrito ao seu período histórico. O
programa foi mais esperto que isso — e aqui é preciso citar a
idealizadora do projeto e diretora do canal, Letícia Muhana, e a
diretora, Patricia Guimarães. Vemos novas duplas, formadas sempre com
inteligência. Foi o caso de Adriana Calcanhotto com Buchecha, já que ela
gravou e fez uma releitura de um sucesso dele.
A produção fala ainda, e bem, para os recém-chegados. Dá para notar no
texto dos ótimos apresentadores, Juliana Paes e Márcio Garcia (foto acima dos dois). Por
exemplo, quando Ana Carolina interpretou uma canção de Gonzaguinha,
Márcio explicou, didático: ele era o filho do Gonzagão.
Assim corre o “Globo de ouro”. Dialogando com o passado com saudosismo
bem-humorado, e não melancólico como um varandão da saudade barato. Quem
quiser elogiar as ombreiras e dizer que a parada musical de então era
integralmente louvável pode. Mas sabe o tamanho da mentira. Há cantores
homenageados no novo palco que eram considerados cafonas. De qualquer
forma, é a memória afetiva sobrepondo-se às exigências dos finos ouvidos
musicais, talvez acrescida daquela certa generosidade que se ganha com a
maturidade. Afinal de contas, que bom que o tempo muitas vezes redima
tanto, não?
O que vemos ali são as inúmeras possíveis acepções da ideia de
nostalgia, a História da TV visitada com honras e muita, mas muita
diversão. É, finalmente, o Viva falando de si, mostrando que, de novo
parafraseando Cazuza, mais do que apresentar um museu de novidades e se
limitar a reprisar, sabe dialogar com o que passou.
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