terça-feira, 25 de novembro de 2014

Viva reúne música, memória e inteligência

O “Globo de Ouro” estreou em 1972 e foi exibido na Rede Globo, com regularidade variada, até 1990. Recentemente, o Viva passou a reprisar edições dos anos 1980. O canal acertou o coração de muitos. O Twitter foi a prova instantânea disso. Uma turma praticamente se encontrava ali todo dia para comentar. Entre os assuntos que mais empolgavam, as ombreiras e os penteados (impressionante mesmo como alguns deles parecem vindos da corte de Luís XIV). E também, claro, os hits, a maioria do paradão das rádios. Muitos, ainda regravados hoje, são familiares para as novas gerações.
Mas quase tudo mudou desde então. Não me refiro apenas à grafia de certos nomes: eram Biafra e Rosana, não Byafra e Rosanah. Mudou principalmente a indústria fonográfica, um dos motores do programa, que sofreu um baque com o advento da internet. Com tudo isso, o que o Viva vem conseguindo com as dez novas edições especiais é uma mostra de vigor da música, de savoir faire de TV, de competência absoluta na conjugação simultânea de tempos verbais passados e do presente.
Vamos por partes. Primeiro, claro, é imprescindível mencionar a nostalgia. Ela é uma estrada agradável, lisa e sem quebra-molas que carrega o público veterano diretamente para as suas melhores lembranças. O novo “Globo de Ouro” não desperdiçou esse capital. Artistas que marcaram o original estão aí de novo. Xuxa, Byafra, Fafá de Belém e até Angélica, ainda mais bonita hoje, cantando “Vou de Táxi” empolgaram a plateia. Katia, a cantora cega, uma das figuras que fizeram o “Globo de Ouro” ser o “Globo de Ouro”, também. E ficou evidente o esforço para tentar compensar uma das maiores baixas, a de Rosana/Rosanah. Ícone dos 80, ela foi a trilha sonora de um dos mais falados casais da época, Vera "Jocasta" Fischer e Felipe "Édipo" Camargo, estrelas de novela e frequentadores dos noticiários. Ainda com uma voz poderosa, ela explicou (sem explicar direito) os motivos de não participar. A meia justificativa, no entanto, funcionou como um gancho eficaz para relembrarem com imagens de arquivo “a música nas sombras, o ritmo no ar.... Como uma deeeusa” etc. Valeu. Outra grata participação com um hino de novela foi a de Fagner com seu “Aaaaahhh coração alado, desfolharei meus olhos neste escuro véu” (o que afinal queria dizer isso?).
Fundamental pontuar, o “Globo de Ouro” não caiu na tentação inútil de buscar repetir o passado. O espírito do tempo, como está implícito na própria expressão, é inexoravelmente restrito ao seu período histórico. O programa foi mais esperto que isso — e aqui é preciso citar a idealizadora do projeto e diretora do canal, Letícia Muhana, e a diretora, Patricia Guimarães. Vemos novas duplas, formadas sempre com inteligência. Foi o caso de Adriana Calcanhotto com Buchecha, já que ela gravou e fez uma releitura de um sucesso dele.
A produção fala ainda, e bem, para os recém-chegados. Dá para notar no texto dos ótimos apresentadores, Juliana Paes e Márcio Garcia (foto acima dos dois). Por exemplo, quando Ana Carolina interpretou uma canção de Gonzaguinha, Márcio explicou, didático: ele era o filho do Gonzagão.
Assim corre o “Globo de ouro”. Dialogando com o passado com saudosismo bem-humorado, e não melancólico como um varandão da saudade barato. Quem quiser elogiar as ombreiras e dizer que a parada musical de então era integralmente louvável pode. Mas sabe o tamanho da mentira. Há cantores homenageados no novo palco que eram considerados cafonas. De qualquer forma, é a memória afetiva sobrepondo-se às exigências dos finos ouvidos musicais, talvez acrescida daquela certa generosidade que se ganha com a maturidade. Afinal de contas, que bom que o tempo muitas vezes redima tanto, não?
O que vemos ali são as inúmeras possíveis acepções da ideia de nostalgia, a História da TV visitada com honras e muita, mas muita diversão. É, finalmente, o Viva falando de si, mostrando que, de novo parafraseando Cazuza, mais do que apresentar um museu de novidades e se limitar a reprisar, sabe dialogar com o que passou.

 
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