quinta-feira, 17 de julho de 2014

CNT viola lei duas vezes ao arrendar até 92% da grade para Igreja Universal

A venda de horários na grade das emissoras de TV e estações de rádio para igrejas e canais de compra e venda está na mira do Ministério Público. Esse tipo de arrendamento viola a lei nº 8666/83, que regula licitações e contratos de concessão pública. "Estamos investigando, mas isso é arrendamento e o governo federal não considera legal", disse ao UOL o procurador da república Jefferson Aparecido Dias.
O caso que trouxe o assunto à pauta foi uma recente parceria da rede CNT, sediada em Curitiba e transmitida em São Paulo pelo canal UHF 27.1 e no canal 186 da Net. A emissora passou a destinar 22 horas, cerca de 92% de sua grade, para a programação da Igreja Universal do Reino de Deus, além de ter demitido cem funcionários.
Na tarde desta terça (15), por volta das 18h, o canal exibia a "cura" das feridas no pé de um rapaz, que, segundo o pastor que apresentava o culto, não calçava sapatos havia dez anos. Durante a madrugada de terça para quarta, mais propaganda sobre a inauguração do Templo de Salomão, em São Paulo, permeada por sessões de descarrego, nome que os pastores da Universal usam para praticar expulsões de demônios do corpo de seus fiéis.
De acordo com dados encontrados no site da emissora, a programação da Universal nas terças-feiras, em São Paulo, começa às 6h10 e segue ininterruptamente até 22h, quando começam os outros programas de compras, entrevistas e esportivo. À meia-noite recomeçam as atrações da Universal, que duram até 6h da manhã, quando há o "encerramento" da programação da igreja (que recomeça às 6h10). Nos outros dias da semana, o esquema se mantém, com poucas mudanças, também em outras praças, como Curitiba, Londrina, Rio de Janeiro e Salvador.

Publicidade

Segundo Pedro Ekman, coordenador executivo da Intervozes (organização que trabalha pela democratização da comunicação no Brasil), as emissoras escamoteiam o esquema alegando que a venda desses horários configura em publicidade. "Eles estão fraudando a licitação ao colocar no mercado algo que é público. Não se pode arrendar uma concessão."
De acordo com os termos de concessão de três praças da CNT (Londrina, Salvador e Rio de Janeiro) enviados à reportagem pelo Ministério das Comunicações, a emissora extrapola seu direito à publicidade, além de desrespeitar outras determinações do governo.
Em Salvador, por exemplo, onde a grade da CNT segue praticamente o mesmo esquema de São Paulo, o termo de concessão determina que a emissora deve destinar "no máximo 25% do tempo diário de funcionamento da emissora à publicidade comercial".
Quando o assunto é programação, mais irregularidades. O termo diz que 12% do tempo diário da CNT deve ser destinado a programas jornalísticos, educativos e informativos e outros 12% a serviço noticioso, ambos de caráter geral.
Além disso, deve produzir localmente mais 6% de programas jornalísticos, educativos e informativos e outros 6% de serviço noticioso. Sem contar os 25% de espaço publicitário, essas exigências configuram 36% da grade. A conta obviamente não fecha.

Dois crimes

Além do Ministério Público, deputados da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados apontam que as atividades praticadas pela CNT e por outros canais incorrem em dois crimes.
Segundo o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), a primeira ilegalidade é a mesma apontada pelo Ministério Público: "sublocação" de concessão pública. A segunda ilegalidade, de acordo com o deputado, é que a emissora está locando o tempo para finalidades diferentes do que foi definido na concessão. "É duplamente ilegal. E se elas alegam que esse tipo de comércio é feito para salvar suas finanças, eles nem deveriam ter concessão."
A afirmação do deputado se confirma no parágrafo 5º do artigo 31 da lei 8666, que define que o vencedor do processo licitatório deve comprovar qualificação econômico-financeira para a atividade à qual se propõe a prestar.
A deputada Luíza Erundina (PSB-SP), que também integra a mesma comissão, diz que há outro problema. Segundo ela, a concessão de rádio e TV deve atender ao interesse coletivo e é vetado usá-la para fazer proselitismo religioso ou político. Ela disse ao UOL que pretende convocar uma audiência para pedir esclarecimentos ao Ministério das Comunicações, mas afirma encontrar dificuldades.
"A maioria dos membros dessa comissão é de representantes dos grandes grupos de mídia. Além disso, há evangélicos que também não querem que isso seja apurado. Mas pretendo intensificar as ações no sentido de apurar as irregularidades. Inclusive vamos convocar os cerca de cem funcionários demitidos pela emissora como testemunhas."
O grupo de trabalho do Ministério Público Federal que investiga esse tipo de irregularidade também pretende se reunir até o fim de julho para decidir que providências tomar, não apenas contra a CNT, mas também contra outras emissoras e estações de rádio que estão desrespeitando a lei.

Outro lado

Procurada pela reportagem, a diretoria da CNT não havia respondido ao pedido de entrevista até o fechamento desta reportagem. No entanto, a emissora enviou ao Ministério Público uma resposta a um pedido de esclarecimentos feito pela procuradoria no dia 29 de maio deste ano.
No documento, a CNT nega que tenha havido arrendamento de sua programação à Igreja Universal do Reino de Deus. Disse ainda que atende integralmente às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas existentes no artigo 221 da Constituição, "promovendo a cultura nacional e regional, regionalizando a produção cultural, artística e jornalística nos percentuais preconizados pela lei".
Já o Ministério das Comunicações, que deveria fiscalizar as atividades da emissora e que, segundo fontes consultadas pela reportagem como os professores da USP Eugênio Bucci e Laurindo Leal Filho, deveria cassar a concessão em caso de descumprimento das normas, afirma não haver limite definidos por lei para veiculação de conteúdo produzido por terceiros na programação da emissora.
O Ministério afirmou à reportagem, ainda, que as obrigações relativas à programação estão previstas no decreto nº 52.795, de 1963, que determina um mínimo de 5% do horário de sua programação diária à transmissão de serviço noticioso; um máximo de 25% do horário da sua programação diária à publicidade comercial; e cinco horas semanais para a transmissão de programas educacionais.
"Contudo, a empresa vencedora da licitação para operar uma emissora poderá oferecer percentuais diferenciados, tendo em vista as particularidades de cada licitação. Além disso, em caso de denúncia, um processo para apuração de possíveis irregularidades é imediatamente instaurado", afirma o órgão por e-mail.

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