Em mais de duas horas de bate-papo em sua sala, Erlanger fala da concorrência, das pressões que recebe da sociedade e da obrigatoriedade da classificação indicativa dos programas, o que chama de “ataque à liberdade de expressão”. “No Estado de direito, cabe aos pais decidirem o que seus filhos vão assistir, não meia dúzia de funcionários bem intencionados do Ministério da Justiça”, diz. Na conversa procura demonstrar precisão técnica, mostra tranquilidade ao colocar as ideias e, sem cerimônia, volta a um raciocínio que, por ventura, tenha achado que não expôs com a devida clareza.
A seguir, o que pensa o diretor da Central Globo de Comunicação:
A seguir, o que pensa o diretor da Central Globo de Comunicação:
Classificação de idade com faixa horária
“É uma grande ameaça à liberdade de expressão. O que foi feito é que deram um golpe ao se vincular classificação de idade com faixa horária. Reclassificar minha novela das nove para um outro horário inviabiliza minha produção. Porque não tenho outro horário para pô-la no ar. Quando mandamos (para o Ministério da Justiça) a sinopse (de um programa), mandamos com uma proposta de classificação. E eles veem se cabe isso ou não. A TV Globo acha que é um caminho legal avisar aos pais antes da programação o que vai acontecer ali, se vai ter cenas de violência, se vai ter cenas de sexo... Mas cabe aos pais decidirem o que fazer.”
Poder do controle remoto
“A novela ‘A Favorita’, do João Emmanuel Carneiro, tinha a personagem da Patrícia Pillar que era uma serial killer. Vazou que ela ia matar alguém a facadas. Recebemos recados: ‘ó, se aparecer facada, vamos reclassificar’. Aí João ficou quieto e matou a personagem com furador de gelo! Furador de gelo não é arma branca. Lembro da minha juventude, vendo Chico Buarque arrumar artifício para burlar censura, arrumando pseudônimo, fazendo metáforas. Estamos numa democracia. Se você está insatisfeito com algo, use o controle remoto. Quando eu voto, a cada dois anos, não estou transferindo para o Estado o poder sobre minhas decisões.”
Luta pela liderança
“A gente é uma emissora líder que nunca está confortável com a posição. Queremos melhorar a qualidade e a concorrência, embora estejamos sempre em patamares históricos. Não somos uma TV segmentada, temos 50% de share (totalidade das pessoas com o televisor ligado num determinado período) porque não somos uma TV do homem, da criança ou da dona de casa. Mas da família brasileira. Agora como há dez anos a Globo tem mais do que a soma de todos os demais canais.”
De olho em todas as classes
“O que precisamos é manter todos os segmentos da sociedade brasileira representados na nossa programação. Temos que ter 50% da classe A, 50% da classe B, 50% da classe C... Assim, quando percebemos a queda de audiência de uma das classes, reforçamos para voltar com aquele público. Não tem essa de que agora é a classe C. Para ter 50% da audiência total, tenho que ter 50% de todas as classes sociais.”
Manipuladora
“A gente ouve as teses mais malucas do mundo. Quando alguém chega e diz que a Globo manipula a população, está sendo agressivo com a população, por achá-la idiota. Se fosse assim, não precisaríamos brigar dia a dia por esta liderança.”
Um trauma como exemplo
“Cometo vários erros, mas este que vou te contar é histórico e tenho orgulho dele, por servir de aprendizado. Há uns anos, tivemos um plebiscito de venda de armas. Propus à direção, assumo que foi ideia minha, de entrarmos no assunto. Pensei ‘não vai ter ninguém no Brasil contrário à proibição de venda de armas’. A ideia era fazer a maior campanha da história da TV brasileira, entrar de cabeça contra as armas, usar todo o nosso elenco para isso. Conversamos com o Manoel Carlos, que estava com uma novela no ar (“Mulheres Apaixonadas”, 2003), e também abraçou a ideia. Ele fez uma cena onde a personagem da Vanessa Gerbelli morria de bala perdida. Teve uma passeata, uma coisa tão esquizofrênica, que até políticos pediram para participar. Aparentemente era algo imbatível. E quanto foi o plebiscito? Favorável à comercialização de armas.”
Gays em horário nobre
“Não tem por que deixar de mostrar nas novelas a questão da homoafetividade, se uma parcela da população opta por isso. Temos sim que atacar diretamente a homofobia, mas não corresponde a nós abraçar causas incorporadas ao pensamento coletivo. Não abraçamos bandeiras, mas tratamos de temas que mereçam reflexão. Não tem uma só novela na Globo, a não ser de época, que não tenha alguma mensagem contra homofobia. Os grupos de militância defendem que a gente estique a corda e transforme isso em bandeira. E há um público muito conservador que acha que o simples fato da gente mostrar o homoafeto é um absurdo. Quando temos críticas das duas pontas, é porque estamos no caminho certo.”
Componente de arrogância
“Na última análise de pesquisa, sentimos que havia um componente de arrogância com o slogan ‘Globo e você, tudo a ver’. Não é possível que o telespectador goste de tudo da Globo. Não é tudo a ver, é quase tudo a ver. Temos a maioria da audiência do Brasil, porque o telespectador liga na gente. Só tem um motivo para que o telespectador se ligue na gente. É que a gente se liga no telespectador. Então chegamos a este último slogan, o ‘A gente se liga em você’, que tem um sentido afetivo.”
Artistas e jornalistas nas redes sociais
“Nas chamadas novas mídias, o jornalista deve seguir as mesmas regras das mídias tradicionais. Você pode, no seu blog ou Twitter, falar de assuntos que dizem respeito à empresa? Não pode. Um âncora da TV Globo pode subir na esquina da Avenida Paulista e fazer um discurso contra a Dilma? Não pode. A pessoa tem que ter o mesmo bom senso na mídia social que tem nas outras mídias. Isso é recomendado para qualquer jornalista da empresa, em qualquer plataforma.”
Popular ou popularesco
“É importante distinguir estes conceitos. Ser popular não é ser popularesco. Nós queremos ser populares. Um projeto como ‘O Astro’ é sofisticado. Isso ali na parede (ele aponta para um troféu) é um Leão de Ouro, de 2009. A primeira vez que Cannes criou um prêmio para novas mídias quem ganhou foi a tradicional mídia aberta chamada TV Globo. Olha que curioso. A gente quer fazer um produto popular de qualidade. Uma boa teledramaturgia, um bom jornalismo não têm distinção de classe.”
Valmir Moratelli
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