A Record, por ser uma emissora de TV, não pode usar recursos públicos para realizar programas. A minissérie será de fato produzida pela Endemol Shine, que, por ser uma multinacional holandesa, não pode configurar como sócia majoritária de projeto audiovisual viabilizado por dinheiro de incentivo fiscal. A solução da Record e da Endemol, criadora do formato do "Big Brother", foi fazer toda a documentação da minissérie como se a produção fosse da OSS, que atende aos requisitos legais de produtora independente brasileira e pode se candidatar a recursos de incentivos fiscais.
Documentos obtidos pelo Notícias da TV revelam que a OSS foi criada em novembro de 2010 pela argentina Juliana Algañaraz, uma das principais executivas da Endemol na América Latina. Em 2012, Juliana transferiu suas cotas na OSS para o produtor Nibio Salatino. O casal vive como marido e mulher e tem dois filhos. Na Junta Comercial de São Paulo, a OSS tem como endereço a casa em que eles vivem.
A base de produção da minissérie foi montada no mesmo galpão, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, onde também trabalham os profissionais de "Batalha dos Cozinheiros", com Buddy Valastro, e "Escola para Maridos", realizações da Endemol.
O projeto da minissérie nasceu na Fox do Brasil e foi levado para a Record em 2014 por Paulo Franco, atual superintendente artístico da rede de Edir Macedo. A Fox também é parceira do projeto, para o qual destinou R$ 1 milhão por meio de incentivo fiscal.
Suspeitas na Ancine
A Ancine ainda não autorizou o uso de recursos públicos em "Mamonas Assassinas". Notícias sobre a minissérie chamaram a atenção da agência federal, que recentemente solicitou novos documentos à OSS. O roteiro da minissérie é de Carlos Lombardi, autor contratado da Record. A direção será de Leonardo Miranda, diretor contratado da Record. Ontem (18), o colunista Flávio Ricco, do UOL, informou que os direitos de adaptação dos músicos da banda foram comprados pela Record.
O Notícias da TV apurou que informações como essas levantaram suspeitas na Ancine de que a OSS seria uma falsa produtora da obra. Por isso, a agência federal pediu documentos a fim de analisar se a OSS detém o controle da minissérie. De acordo com a legislação, produções independentes realizadas com dinheiro de renúncia fiscal têm de pertencer patrimonialmente a produtoras independentes. Ou seja, pelo menos 51% dos direitos têm de ser da OSS Produções.
Mas os fatos de a empresa pertencer ao marido de uma alta diretora da Endemol, de a produção ser executada pela Endemol e de o roteirista e o diretor serem funcionários da Record evidenciam que a OSS é apenas uma testa de ferro, um instrumento para viabilizar o uso de recursos de incentivo fiscal. Não é a primeira vez que a Record lança mão de dinheiro público para produzir minisséries. O que é inédito é o uso de uma produtora apenas para tentar driblar a legislação.
Quase um funcionário
Segundo profissionais da Endemol Shine, o dono da OSS, Nibio Salatino, é praticamente um funcionário da multinacional, embora não tenha vínculo empregatício. Ele dá expediente quase todo dia no galpão de produções da Endemol. Acaba de voltar da Colômbia, onde coordenou a equipe de "Escola de Maridos Maridos", reality show produzido pela Endemol para o canal Fox Life, ainda inédito. Salatino participou das reuniões que definiram o esquema de gravações de "Mamonas Assassinas", na qual também atuará como coordenador de produção.
No Facebook, Salatino aparece em uma fotografia da festa confraternização do fim do ano passado da Endemol brasileira. A rede social também ilustra sua relação matrimonial com Juliana Algañaraz. Eles aparecem juntos em fotos com os filhos, em viagens e parques. No último aniversário de Juliana, ele publicou uma declaração de amor na página dela.
Apesar de se prestar ao papel de ferramenta para captação de recursos públicos da Endemol, de funcionar em um endereço residencial e de ter capital social de apenas R$ 10 mil, a OSS não é uma produtora de fachada. Ela produz de fato.
"Mamonas Assassinas" é o segundo projeto que a OSS apresenta na Ancine. Em 2014, assinou a produção para o History Channel da série "Várzea F.C.", sobre o dia a dia de jogadores de um time amador da zona oeste de São Paulo. Reportagem de O Estado de S.Paulo identificou o programa como uma criação da Endemol executada pela OSS. O texto foi enriquecido com declarações de Salatino e de Algañaraz.
Na Endemol Shine, Juliana Algañaraz é apontada como a principal executiva, a que realmente decide, embora o cargo de diretor-geral seja ocupado por Marcello Braga, ex-diretor da Fox. Documentos arquivados na Junta Comercial do Estado de São Paulo registram que, em agosto de 2012, quatro meses de antes de passar a OSS para o nome do marido, Juliana foi nomeada administradora da Endemol, responsável por todos os atos financeiros da empresa, pela assinatura de contratos com emissoras e com bancos. Ela foi destituída do posto em dezembro de 2014, quando assumiu o desafio de se tornar CEO (o equivalente a presidente em português) do Porta dos Fundos. A parceria com os humoristas não deu certo, e Juliana voltou para a Endemol na metade do ano passado, agora sem as atribuições administrativas.
Nos documentos da Junta Comercial, os endereços residenciais de Juliana como diretora da Endemol e da OSS são os mesmos, uma pacata e arborizada rua às margens da rodovia Raposo Tavares.
Outros lados
A Ancine esclarece que o projeto "Mamonas Assassinas" "não teve sua análise completamente concluída" e que ainda não foram liberados recursos públicos para sua execução. Informa que o projeto passou por uma análise inicial, chamada de simplificada, e que atualmente se encontra na fase de análise complementar, "quando são verificados itens como orçamento analítico, contratos de coprodução, detenção de direitos e desenho de produção, entre outros". Conclui a agência: "É a análise complementar que atesta o status de obra brasileira de produção independente. A liberação de recursos públicos está condicionada à aprovação do projeto nessa etapa".
O Notícias da TV tentou ouvir a Record, a Endemol Shine e a OSS, sem sucesso. Para o diretor nacional de comunicação da Record, Celso Teixeira, enviou ontem por e-mail as seguintes perguntas: 1) De quem é o projeto "Mamonas Assassinas"? Da Record, da Endemol ou da OSS Produções? 2) Quais são os papeis da Endemol, da OSS e da Record na produção da obra? 3) O fato de o roteirista (Carlos Lombardi) e de o diretor (Leonardo Miranda) serem contratados da Record não tira a autoridade artística da produtora (OSS) sobre a minissérie? 4) Por que a OSS foi escolhida para produzir a minissérie? Quais as qualificações da empresa? 5) A OSS teria sido escolhida apenas para viabilizar o uso de recursos públicos, via Ancine?
Questionário semelhante foi foi encaminhado para a assessoria de imprensa da Endemol Shine e para Juliana Algañaraz. Também não houve resposta até a conclusão deste texto. O site tentou falar com Nibio Salatino por telefone e via redes sociais, mas não conseguiu.
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