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terça-feira, 3 de maio de 2016

O estranho coronel de Antonio Fagundes em "Velho Chico"

Antonio Fagundes (foto) já provou ao longo dos anos que é um profissional de primeira grandeza, dono de um talento raro e admirável. Ele fez heróis e vilões, esteve na estrada durante anos em “Carga Pesada”, foi do realismo a personagens mais da órbita do fantástico, sempre com vigor e sensibilidade, invariavelmente enchendo a tela. Daí o espanto que “Velho Chico” vem provocando. Na novela de Benedito Ruy Barbosa dirigida por Luiz Fernando Carvalho (com os quais já fez outras parcerias, sempre bem-sucedidas), ele está irreconhecível e nem de longe mostra ser o grande ator que deu tanto brilho à televisão brasileira.
Na primeira fase da trama, seu personagem era de Rodrigo Santoro. Então mais jovem, longe de assumir a fazenda da família e o posto de cacique de Grotas, vivia em Salvador. Eram os anos 1970, ele teve lá suas experiências lisérgicas e namorava a cantora (Carol Castro/Christiane Torloni) com quem vive hoje, algumas décadas depois. As primeiras cenas já apresentaram ao público esse Afrânio jovem, apaixonado, elegante, sem trejeitos, moderno, contemporâneo à época em que vivia. Poucos capítulos adiante, ao se curvar às imposições da realidade, tornou-se um coronel contido, minimalista, fechado, sofrido.
Agora, passadas algumas semanas da estreia da segunda fase, com Afrânio já avançado em anos, não se enxerga qualquer remota semelhança entre uma composição e outra. São construções completamente diversas. O Saruê de Fagundes não é a versão amadurecida do jovem Afrânio de Santoro. A prosódia é diferente, os trejeitos, exagerados, não se comparam. Sem falar nos cabelos esticados e acobreados da peruca estranha à la “Dallas”, nos olhos esbugalhados, na personalidade exuberante e no figurino extravagante. Nada lembra o personagem na juventude.
É uma razão para perguntar: o que houve para acontecer uma interrupção tão abrupta e radical na linha de interpretação do coronel? O tom do personagem é dado, claro, pelo primeiro ator a interpretá-lo, no caso, Santoro. Fagundes não assistiu à primeira fase? Foi a direção que apostou na falta de sintonia entre os dois? Em caso afirmativo, por que essa escolha? É uma ocorrência única em novelas. Não há um fiapo de identidade entre as duas etapas do coronel. A consequência disso é um grande prejuízo para a produção, que perde muito em credibilidade.
Mais grave ainda é que, mesmo que não tivesse tido uma primeira fase, esse coronel, tal como desenhado por Fagundes, é uma caricatura, uma reciclagem mal feita de todos os coronéis das novelas. Ele tem um pouco de Odorico Paraguaçu, um pouco de Sinhozinho Malta, mas não é nem um nem outro. Mesmo sem o Afrânio de Santoro, o Afrânio de Fagundes é um equívoco. Daí o espanto: como e por que um ator que não tem mais nada a provar, um ator extremamente talentoso, dá uma derrapada como esta? E pior: haverá solução?









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