"Magnífica 70" resgata o cinema ao mesmo tempo erótico e cômico que lotou as salas de exibição do país nos anos 1970 e início dos 1980, em plena Ditadura Militar (1964-1985). Ambientada na Boca do Lixo, como ficou conhecida a concentração de produtoras de pornochanchandas da rua do Triumpho, no centro de São Paulo, a série se vende como uma obra sobre o "confronto entre o desejado e o proibido, a vontade e a repressão, a liberdade e o preconceito".
Isso já é muito, mas não é tudo. "Magnífica 70" tem várias camadas. É, primordialmente, uma declaração de amor ao cinema: por mais pobre, comercial e marginalizado que ele seja, sempre se pode encontrar um quê de arte. É, essencialmente, uma série sobre o falso moralismo de um regime político obsceno. Em "Magnífica 70", como no cinema e nas ditaduras, nada é o que aparenta ser. O censor é um cineasta nato; a atriz é uma ladra; o machão é impotente sexual; o general do Exército é um torturador tarado.
Magnífica é o nome de uma dessas produtoras da decadente Boca do Lixo. A seu dono, Larsen (Stepan Nercessian), só interessa o lucro das produções baratas. O produtor Manolo (Adriano Garib) a toca com a grossura de um ex-caminhoneiro, mas eventualmente revela alguma sensibilidade artística.
É nesse local improvável que vai trabalhar Vicente (Marcos Winter), um reprimido agente da Censura Federal, casado com Isabel (Maria Luisa Mendonça), filha do general Souto (Paulo Cesar Pereio). Vicente se apaixona pela principal (e única) estrela da Magnífica ao assistir - e vetar - um filme que ela protagoniza. Ele vê em Dora Dumar (Simone Spoladore na foto acima) a cunhada que morreu ainda ninfeta, por quem fora apaixonado.
O censor se arrepende de ter proibido o longa e trata ele mesmo de salvá-lo. Cria um final moralista, ao gosto dos militares, e o libera para as massas. Em seguida, escreve e dirige um filme um tanto autobiográfico, inspirado nele mesmo, em sua mulher e na cunhada morta.
Esse é o enredo central de uma história cheia de viradas, de um roteiro que surpreende a cada episódio, às vezes violento, outras vezes erótico, eventualmente engraçado, com personagens sempre dúbios, muito bem defendidos por um elenco afinado tal qual uma orquestra. "Magnífica 70" é, provavelmente, o melhor trabalho de Marcos Winter.
A direção de arte reconstitui os anos 1970 com precisão. A fotografia é impecável ao reproduzir as cores e as luzes estouradas do cinema que se produzia nos "anos de chumbo". A direção de Claudio Torres e Carolina Jabor aparentemente consegue muito mais do que o orçamento permitiu.
Enfim, "Magnífica 70" é a melhor série da TV brasileira de 2015 - embora ainda estejamos na metade dele. Está no mesmo patamar de "Amores Roubados", "Felizes para Sempre" e "A Teia", da TV Globo. Na TV paga, só encontra concorrentes em qualidade em "Sessão de Terapia", do GNT, e em "Alice", também da HBO.
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