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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

"Sexo e as Negas" pode não ser racista, mas flerta perigosamente com o machismo

Antes de abordar o principal assunto deste texto, é preciso reconhecer: poucos sabem escrever tão bem sobre o subúrbio e as camadas populares do país quanto Miguel Falabella. Seus diálogos são leves, inspirados e repletos de uma sonoridade comum às comunidades e ao que circula hoje em termos que caíram na boca do povão. Suas novelas todas têm um olhar peculiar sobre a periferia e são fáceis de se identificar pelas fortes cores que imprime e pelos roteiros repletos de humor. Não seria diferente com "Sexo e as Negas", que estreou com a intenção de repetir o sucesso de "Pé na Cova", que caminha para a quarta temporada.
Ocorre que é impossível assistir ao seriado sem associá-lo à polêmica que o antecedeu. Até a última segunda-feira (15), pelo menos 17 denúncias de racismo foram encaminhadas à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A maioria se referia ao desconforto gerado pelo título, uma alusão a "Sex and the City", produção cultuada até hoje entre as mulheres. Antes mesmo de entrar no ar, a série pareceu condenada por determinados setores da sociedade. A verdade é que, para haver comprovação, seria necessário, obviamente assisti-la.
"Sexo e as Negas" tem personagens populares, em especial os coadjuvantes. Alessandra Maestrini, por exemplo, já deu mostras de que roubará toda e qualquer cena em que esteja na pele de uma gaúcha meio ranzinza. Claudia Jimenez e Maria Gladys seguem firmes em seus tipos e funcionam bem. As quatro protagonistas têm talento indiscutível. Pessoalmente, apesar de piadas que falam claramente sobre o preconceito ("quem vai achar que essa pulseira é de verdade no seu braço?", pergunta uma atriz à camareira negra), para mim, chamou mais atenção o olhar excessivamente masculino sobre as garotas de Cordovil. Durante o episódio, surgiram homens dando depoimentos retratando as mulheres como, digamos, caçadoras de homens, que tratam logo de engravidar porque sabem que o não-pagamento da pensão pode colocar o parceiro na cadeia. A intenção pode ser até retratar o sexismo, mas o resultado, mesmo sem querer, é um tanto machista.
Na segunda metade do capítulo de estreia, duas das protagonistas surgem em três cenas quentes de sexo. É claro que hoje as mulheres estão empoderadas, são donas de si e têm, sim, vida sexual ativa. Numa ficção como esta, no entanto, tudo pareceu hiperssexualizado, com tintas carregadas. O que se viu foram personagens que usam principalmente a sexualidade como arma. Até mesmo o tema do episódio, mobilidade urbana, acabou virando pano de fundo e foi pouco discutido. Para completar, Miguel Falabella surge como narrador, recurso totalmente dispensável, uma vez que só contribui para deixar tudo excessivamente didático. Dramaturgicamente também não houve grande conflito ou antagonismo. Foi basicamente um olhar sobre a vida das garotas, sem muitos problemas e um final feliz resolvido com uma aposta no jogo do bicho.
Há pontos interessante a serem explorados, caso da personagem que, aos 38 anos, já é avó. Outros já apontam para o clichê, como o patrão que deve se envolver com a cozinheira. Cabe aos roteiristas subverter a ideia. "Sexo e as Negas" pode ser bem divertido, mas precisa passar por ajustes finos. Do contrário, pode parecer uma série "de homens sobre mulheres" ou "de brancos sobre negros". Com um pouquinho mais de cuidado nos exageros, a atração pode virar uma boa opção.
Em tempo: o seriado estreou com média de 14,2 pontos, segundo dados consolidados do Ibope. O número está um pouco abaixo do que costumava marcar "O Rebu" e "Pé na Cova" no horário.


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